12 de janeiro de 2011

Para reflectir


"Não tenho filhos e tremo só de pensar.


Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê.


Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito.
É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos.

A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima. Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"



O autor deste texto é João Pereira Coutinho, jornalista


6 comentários:

Zé do Cão disse...

E é tal e qual como está escrito, sem tirar nem por.
E passamos a vida a sonhar, até que a morte nos levam "sem ter sonhado"


Boa Amiga, um jinho

Laura disse...

É isso mesmo, criança hoje não vive, é soldado do estado, dos patrões e de tudo o que o mundo vai inventando. criança hoje não nasce feliz e vive infeliz com tantos deveres onde nem aprende a viver...

Um beijinho da laura.

Não vais aos meus saldos?

Osvaldo disse...

Zézita;
Que maravilha de crónica!...

É real, actual e parabéns ao autor.

bjs, e abraços para o Vitor.
da Ana e Osvaldo

Teté disse...

Já conhecia o texto, mas não posso estar mais de acordo: vive-se numa sociedade em que se mede o sucesso com parâmetros que têm mais a ver com a posição social e o bem estar económico do que propriamente pelos valores. Assim, desde pequenos os miúdos são "ensinados" a serem cavalos de corrida para chegarem primeiro à meta que os outros. E melhor. Para vencerem. Como nem todos chegam lá, vem a frustração! Ou as tentativas de mudar as regras do jogo, passando por cima de tudo e todos! Insaciáveis e infelizes. Pior é que não se vê uma luz no fundo deste túnel... :p

Beijokitas!

Kim disse...

Às vezes - o JPC até tem razão. Ainda bem que ele não tem filhos senão não vivia!
Beijinhos ma blonde

Laura disse...

Mas nós temo-los e vivemos bem com isso, conseguimos criá-los no Karaté, música, escolas, treinos, futebóis, escuteiros, catequese e por aí fora, e são gente linda gente de bem e preparamo-los para? pois é, tanto estudaram que não sabem que empregos lhes hão-de dar...

Beijinho de bom Domingo

laura